A partida só acaba quando termina
Abilio Diniz
A luta pela reformulação do futebol brasileiro segue dura e aguerrida. Como era previsto, a CBF, as federações estaduais e dirigentes de futebol já começaram movimentação intensa no Congresso e na mídia para convencer parlamentares e a opinião pública de que o futebol brasileiro não precisa de uma reformulação radical em sua gestão como prevista na Medida Provisória (MP) encaminhada pelo governo e que deve ser votada por deputados e senadores nos próximos meses.
Num país democrático e com instituições fortes como o Brasil, o debate é muito bem-vindo e necessário. Aliás, ele já começou com a elaboração da MP, quando o governo ouviu dirigentes, atletas e outros especialistas.
A MP estabelece que os clubes terão de melhorar sua gestão para refinanciar dívidas milionárias com a União. Em troca de generosas condições de quitação de dívida, a MP exige medidas básicas de boa gestão, como publicação de demonstrações contábeis auditadas por empresa independente; manter em dia obrigações tributárias, previdenciárias, trabalhistas, contratuais e de direito de imagem; zerar os déficits até 2021; diversificar gastos para outros esportes; responsabilizar judicialmente dirigentes por má gestão; criar um órgão para fiscalizar o cumprimento da lei e aplicar punições.
A responsabilidade fiscal (o equilíbrio mínimo entre despesas e receitas) é uma necessidade básica nas nossas casas, nas nossas empresas, no nosso país.
Mas não é o que ocorre nos nossos clubes de futebol, que contratam jogadores e técnicos com salários altíssimos sem ter depois como pagar, que deixam de quitar obrigações tributárias e previdenciárias, que elegem e reelegem dirigentes sem capacidade de gestão, protegidos pela impunidade.
A CBF alega que a MP é inconstitucional por ferir o direito de autonomia das entidades esportivas ao estabelecer regras para reformar nosso futebol.
Caberá agora aos parlamentares, assessorados por juristas e associações do setor, o dever de consolidar a reforma já tardia do esporte. Não podemos desperdiçar o ímpeto reformista criado depois do fracasso na Copa.
Caímos diante da Alemanha, a nova pátria do futebol, que realizou uma das reformas mais bem sucedidas no esporte na década passada. Os clubes alemães também tinham problemas de gestão financeira e técnica, mas, com disciplina, inteligência e pressão do governo e da sociedade, acertaram suas contas e sua gestão. Pouco depois, fizeram final alemã da Liga dos Campeões e ganharam a Copa do Mundo no Brasil com show de bola e organização.
Enfraquecido por dívidas milionárias com a União, o país tem a oportunidade, o dever e o direito de exigir dos clubes uma boa gestão dessa grande paixão nacional.
É parte da democracia que diferentes grupos pressionem seus representantes eleitos na elaboração das leis do país. O grupo que está no poder há décadas no futebol, liderado pela CBF, já está trabalhando a todo o vapor contra a modernização do esporte. É o momento de nós, os apaixonados pelo futebol, também fazermos nossa pressão, capitaneados pelos atletas do Bom Senso Futebol Clube.
A MP foi um belo gol de quem quer modernizar o futebol. Mas, como dizia um velho filósofo da bola, a partida só acaba quando termina.